
Acessibilidade digital para neurodivergentes
Criando uma experiência bancária digital verdadeiramente inclusiva, personalizada e acessível para todos os usuários

Discovery / Define / Develop - Jan a Mar 2024
Neste projeto a EBAC em parceria com o Itaú nos desafia a explorar, sob a ótica dos clientes, oportunidades de inovação nos serviços digitais do banco. A partir dessa análise, deveríamos identificar hipóteses e propor soluções que envolvessem todo o ecossistema digital - desde aplicativos e site até caixas eletrônicos e dispositivos emergentes, como smartwatches.
Desk Research
O Itaú é reconhecido pelo seu compromisso com diversidade e acessibilidade. Em 2020, foi apontado como um dos bancos mais acessíveis do Brasil pelo Índice de Acessibilidade Digital da BigDataCorp.
Inspirada por esse cenário, optei por investigar como o banco pode avançar ainda mais na inclusão digital, com foco em pessoas neurodivergentes.
Neurodivergências
Neurodivergência inclui condições como TEA, TDAH, Dislexia, entre outras. Essas condições afetam o processamento sensorial e cognitivo, podendo tornar certas experiências digitais especialmente desafiadoras. Estímulos visuais ou sonoros em excesso, mudanças inesperadas na interface e falta de orientação clara podem gerar sobrecarga ou ansiedade, dificultando a conclusão de tarefas simples.
Apesar da escassez de dados oficiais no Brasil, estima-se que o número de pessoas neurodivergentes seja significativo. Segundo pesquisa da Accenture (2018), pessoas com deficiência movimentam R$22 bilhões em renda própria — um público que não pode ser ignorado. Ainda assim, recursos digitais inclusivos para este grupo são pouco comuns, mesmo entre empresas que já adotam diretrizes de acessibilidade.
Clientes
A pesquisa se concentrou na análise de feedbacks de usuários em plataformas como Google Play, App Store, ReclameAqui e redes sociais. O objetivo foi identificar recorrências de frustração ligadas à experiência digital e cruzar esses dados com questões de acessibilidade.
Benchmark
No Benchmark com concorrentes do mercado foram analisadas as principais soluções que impactam na acessibilidade, como configurações de aparência, opções de ajuda, existência de propagandas, envio de notificações, etc.

Primeiros insights
Principais PainPoints
Neurodivergentes
Segundo o levantamento, notificações, propagandas, excesso de estímulos visuais e alterações na interface prejudicam o foco e aumentam a carga cognitiva. Também foram identificadas dificuldades com formulários pouco claros e experiências que não respeitam o Modo Escuro do sistema.
Esses achados levantam questões importantes:
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Elementos visuais e interativos estão realmente comprometendo a experiência para esse público?
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A adoção de princípios como o critério 1.3.6 da WCAG (customização de conteúdo) pode melhorar a usabilidade e qualidade de vida desses usuários?
Público Geral
Mudanças recentes no layout do app também geraram frustrações entre usuários em geral, como: perda de personalizações, reposicionamento de funções, excesso de ofertas, cores intensas e atendimento robotizado.
Tais questões podem impactar negativamente pessoas neurodivergentes e serão consideradas nas etapas seguintes da pesquisa.

Observação
Durante a DeskResearch foi utilizada a técnica de Netnografia para acompanhar grupos relacionados com os temas de autismo, TDAH e inclusão. Não foram encontrados nos grupos, de forma orgânica, conversas ou reclamações sobre utilização de canais digitais bancários.
Muitos depoimentos relataram os desconfortos de aguardar atendimento na fila da agência ou na discriminação quando utilizam um atendimento preferencial, já que as neurodivergências muitas vezes não são perceptíveis para os outros clientes e funcionários.
O depoimento ao lado não especifica o banco nem o canal de atendimento utilizado, porém foi incluído nesta análise porque retrata como a dificuldade de realizar uma tarefa pode afetar uma pessoa neurodivergente.
Crises de ansiedade e auto-agressão são reações muito sérias. Não podemos ignorar o impacto que nossas escolhas como profissionais podem gerar na vida das pessoas usuárias.

Planejamento inicial
Antes de iniciar a fase de pesquisa com usuários foram realizadas duas atividades essenciais para guiar o direcionamento do projeto: Matriz CSD e Proto Persona:
Matriz CSD (Certezas, Suposições e Dúvidas)
Foi construída para mapear os conhecimentos prévios sobre o problema, levantar hipóteses iniciais e identificar lacunas que precisariam ser exploradas durante a pesquisa. Esta etapa foi essencial para estruturar o escopo da investigação e garantir que as descobertas estivessem alinhadas aos reais objetivos do projeto.

Proto Persona
Com base em dados da desk research e hipóteses iniciais sobre o perfil do usuário neurodivergente, foi elaborada uma Proto Persona. Este modelo preliminar serviu como ponto de partida para entender comportamentos, motivações e necessidades dos usuários.

Essas ferramentas foram fundamentais para dar clareza, foco e propósito ao processo de pesquisa, maximizando o aproveitamento dos insights coletados.
Pesquisa
Metodologia
A pesquisa foi dividida em duas etapas:
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Formulário online — Coleta de dados demográficos e insights iniciais.
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Entrevistas em profundidade — Exploração qualitativa das necessidades e comportamentos relacionados a experiência com os serviços digitais dos bancos por pessoas neurodivergentes.

Recrutamento
Para encontrar o público alvo da pesquisa a estratégia visou buscar perfis de pessoas declaradamente neurodivergentes nas redes sociais (instagram e youtube e facebook) e comunidades e grupos no WhatsApp e Telegram.
Foi enviada uma “carta de apresentação”, explicando o propósito da pesquisa e disponibilizando o link do formulário. Também foram enviados posts nos grupos do Facebook identificados na DeskResearch.
O formulário foi elaborado de maneira a já excluir eventuais respondentes que não se enquadrem no público alvo (neurotípicos, não correntistas de bancos e não usuários de aplicativos bancários), já filtrando as respostas
e obtendo uma amostragem mais fiel.
O recrutamento para a entrevista foi feito dentro do próprio formulário, solicitando o contato do respondente caso se disponibilize para participar da segunda etapa da pesquisa.
O que os dados dizem...
Recebemos um total de 21 formulários, com 18 participantes 100% aderentes ao perfil solicitado vindos de diferentes regiões do Brasil. A maioria utiliza o aplicativo do banco como principal canal de acesso, sendo o Pix, consulta de saldo/extrato e pagamentos as operações mais realizadas.
Apesar do uso recorrente, surgiram pontos de atrito: etapas em excesso, mudanças constantes na interface e excesso de estímulos visuais foram os mais citados.
As duas perguntas abertas no fim do formulário trouxeram muitos insights importantes. Essas respostas ajudaram a confirmar os achados da desk research e serviram como bússola para aprofundar a investigação qualitativa.
Pesquisa quantitativa
Com base nas hipóteses levantadas nas fases anteriores, conduzi entrevistas em profundidade com cinco participantes neurodivergentes — entre eles, pessoas com TDAH, autismo e dislexia. O objetivo foi compreender, de forma mais sensível e contextualizada, como essas condições impactam a experiência de uso de aplicativos bancários, com foco no app do Itaú.
Pesquisa qualitativa

As falas dos participantes revelaram que mudanças repentinas na interface, excesso de estímulos visuais e notificações recorrentes são fatores que dificultam a conclusão de tarefas e comprometem a autonomia desses usuários.
Além disso, todos demonstraram forte preferência por atendimentos mais humanizados e valorizam recursos de personalização que permitam adaptar a interface às suas necessidades cognitivas e sensoriais.
Ideação
Com os aprendizados obtidos nas etapas de pesquisa foi possível consolidar um entendimento mais profundo sobre os desafios enfrentados por pessoas neurodivergentes no uso de serviços bancários digitais.
A partir dessas informações, foram desenvolvidas personas, mapas de empatia e jornadas do usuário que representassem os perfis mais relevantes para o projeto: usuário autista e usuário com TDAH.

Persona 1




Persona 2




Needs Statements
Com base nas jornadas e nas dores identificadas, foram elaborados Needs Statements para cada persona, sintetizando suas principais necessidades e frustrações. Para cada statement, foi proposta uma solução potencial, pensada de forma a atender diretamente àquela demanda específica.
Em seguida, todas as soluções foram analisadas em um Grid de Priorização, onde foram avaliadas segundo dois critérios principais: viabilidade técnica e impacto para os usuários. Essa etapa foi essencial para definir quais funcionalidades fariam mais sentido desenvolver dentro do escopo do projeto, garantindo alinhamento com os objetivos do negócio e com as necessidades reais do público-alvo.




Ecossistema de Acessibilidade Itaú
Com base nas soluções mapeadas, quatro funcionalidades foram definidas para compor um conjunto de recursos voltados à melhoria da experiência digital de pessoas neurodivergentes nos canais mobile, web e smartwatch do Itaú:
Onboarding de Acessibilidade
Um fluxo inicial que apresenta ao usuário, logo no primeiro acesso, a possibilidade de configurar recursos de acessibilidade de acordo com suas necessidades individuais. Essa abordagem tem como objetivo tornar a experiência mais confortável e inclusiva desde o início, antes mesmo da navegação pelo app.
Embora o onboarding tenha sido concebido para abranger diferentes tipos de acessibilidade — incluindo recursos voltados a pessoas com deficiências visuais, auditivas e físicas, neste projeto o foco está no desenvolvimento exclusivo das opções para o público neurodivergente.
Modo foco
Esta nova funcionalidade visa proporcionar uma experiência simplificada, objetiva e sem distrações.
Na tela inicial o usuário encontra apenas as funcionalidades essenciais e são eliminados estímulos visuais como mensagens personalizadas, propagandas e notificações.
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Visual: Configuração de tela de início simplificada com 4 funções personalizáveis e sem propagandas. O menú inferior permanece igual e oferece acesso a todas as funcionalidades do aplicativo.
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Notificações: Direciona o usuário para a rota completa de configuração de notificações facilitando o controle sobre o tipo de contato que deseja ou não receber.
Configuração de Aparência
Disponibiliza 2 novos temas para personalização da aparência do aplicativo de modo a garantir ao usuário uma experiência sensorial mais confortável.
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Tema escuro: disponível para ser responsivo às configurações do aparelho celular.
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Tema claro: seguindo o padrão atual com tons menos vibrantes, oferecendo mais conforto sensorial para usuários sensíveis à cor laranja predominante do app
Central integrada de ajuda
Ponto de acesso único a diferentes formas de suporte: tutoriais em vídeo, FAQ, chatbot e atendimento humano. A central visa facilitar o entendimento e a resolução de problemas, possibilitando que o usuário escolha o tipo de interação com a qual se sente mais confortável.
Essas soluções são projetadas para criar uma experiência bancária digital verdadeiramente inclusiva, personalizada e acessível para todos os usuários, garantindo que suas necessidades individuais sejam atendidas de forma eficaz e respeitosa.
Prototipação
Com as funcionalidades definidas, iniciei a etapa de prototipação para validar os fluxos e interações propostas.
Desenhado à mão, com foco na estrutura geral das interfaces e organização das informações.
Baixa fidelidade
Desenvolvido no Figma a partir das referências da interface existente do aplicativo itaú, o protótipo já nasce com um visual bastante definido e com navegação clicável.
Média fidelidade
Teste de usabilidade
Para validar as funcionalidades e avaliar a experiência de uso nos diferentes dispositivos, foram realizados testes de usabilidade com foco em três contextos: mobile, desktop e smartwatch. Os testes foram conduzidos com 3 usuários neurodivergentes (com TDAH e autismo), utilizando um protótipo navegável de média fidelidade desenvolvido no Figma.
Cada sessão explorou tarefas relacionadas às novas features de acessibilidade: onboarding inicial, configuração de preferências (como Tema e Notificações), ativação do Modo de Foco e da Central Integrada de Ajuda nos 3 canais escolhidos.
Principais aprendizados
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Mobile: O onboarding foi bem recebido, mas alguns elementos — como o botão da Central de Ajuda — passaram despercebidos por estarem fora da área visível da tela. Participantes sugeriram indicar de forma mais clara que havia conteúdo abaixo do scroll. Também houve dificuldade pontual para localizar seções de configuração fora do fluxo inicial.
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Desktop: A navegação foi considerada intuitiva por quem já conhecia o app mobile, mas o caminho até a tela de personalização nem sempre foi óbvio. Um dos usuários sugeriu adicionar atalhos ou tornar mais visível o retorno à tela inicial.
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Smartwatch: A simplicidade do layout foi elogiada. As tarefas foram concluídas sem erros e os usuários relataram que a familiaridade com o app facilitou a adaptação ao novo dispositivo. A integração da Central de Ajuda com o celular foi vista como um ponto positivo, devido ao tamanho reduzido da tela do relógio.
Backlog
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Reforçar visualmente elementos importantes no onboarding;
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Repensar a hierarquia de navegação em áreas de configurações;
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Incluir orientações mais claras sobre rolagem e retorno à página principal.
Esses insights reforçaram a importância de validar cada etapa com usuários reais e garantindo que as soluções propostas atendam de fato às necessidades do público-alvo. Os ajustes foram incorporados no protótipo de alta fidelidade.
Identidade Visual e UI Design
Para garantir consistência visual e alinhamento com a identidade institucional do Itaú, todas as telas foram desenvolvidas respeitando as diretrizes já aplicadas no aplicativo oficial do banco — incluindo cores, tipografia, ícones e padrões de interação.
A construção das interfaces seguiu os princípios do Atomic Design, permitindo a criação modular de componentes reutilizáveis, adaptáveis aos diferentes dispositivos sempre que possível.
Os layouts foram refinados até o nível Pixel Perfect, com atenção rigorosa aos detalhes visuais e à organização dos elementos em grid.

Ícones, componentes e grids

Ícones, componentes e grids

Ícones, componentes e grids

Ícones, componentes e grids
Aprendizados
Ao longo deste projeto, aprofundei minha compreensão sobre acessibilidade digital e o impacto que boas práticas de design têm na vida das pessoas. Estudar as experiências de usuários neurodivergentes me trouxe novos olhares sobre empatia, escuta ativa e a importância de considerar realidades diferentes da minha.
Também desenvolvi minha capacidade de estruturar soluções inclusivas dentro de contextos complexos, conciliando consistência visual, viabilidade técnica e necessidade do usuário.
Conclusão
Não somos todos iguais e a beleza da experiência humana está justamente na diversidade. A neurodiversidade é uma dessas variações que precisa ser reconhecida e respeitada, especialmente no ambiente digital.
Quando deixamos de considerar pessoas neurodivergentes ao projetar interfaces, não estamos apenas criando obstáculos, estamos negando direitos: o direito de acessar informações, produtos e serviços em igualdade de condições.

Projetar para a diversidade é projetar para o mundo real.
Criar soluções digitais mais acessíveis não é apenas uma boa prática — é um compromisso com a inclusão, a equidade e o respeito. Que cada iniciativa como esta contribua para que o design seja, de fato, uma ferramenta de transformação.





















